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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

ANATOMIA PARA COLORIR


A ideia de fazer uma exposição chamada “Anatomia para colorir”, surgiu durante um garimpo pelos sebos da cidade em busca de livros antigos de anatomia que pudessem servir de suporte aos meus experimentos com o desenho e minhas reflexões sobre o corpo.

Numa espécie de depósito secreto de uma das lojas que visitei, encontrei um livro encantadoramente datado: “Anatomia: Manual para Colorir”. A proposta do livro, segundo seus autores, é de proporcionar uma oportunidade de se familiarizar com o corpo humano, suas estruturas e funções, com um “mínimo de memorização mecânica e um máximo de satisfação”, considerando que “colorir é um dos métodos de aprendizagem mais eficazes e agradáveis”.


Achei graça na proposta, mas, mesmo assim, levei o livro pra casa e comecei a seguir o manual. Vasculhei pranchas e mais pranchas desenhadas com fatos e conceitos sobre o corpo humano. Atravessei células, tecidos epitelial, conjuntivo e muscular; sistemas esquelético, muscular, cardiovascular, linfático, respiratório e assim por diante, numa ramificação quase infinita de estruturas relacionadas. E, desse modo, mais do que aprender esquemas sobre o corpo humano, comecei a perceber uma espécie de gramática imagética pronta para ser explorada e subvertida pelos meus experimentos.

Assim, nos meus desenhos, começaram a surgir estruturas de revestimento de crescimento orgânico com aspecto celular nucleado, estriado ou mesmo de estrutura capilar. Surgiram ainda os elementos transparentes e sobrepostos criando, por vezes, texturas lisas, por outras vezes, texturas rugosas. À medida que os experimentos foram se multiplicando, apareciam os corpos humanos com esqueletos inventados, as anatomias híbridas, as anatomias animais e os corpos seccionados.


Todo esse exercício de invenção demandou um trabalho de experimentação com os materiais. A opção pelo uso de cola sem conservantes deve-se ao nosso desejo de tratar cada obra como um organismo vivo, que passa por modificações discretas ao longo do tempo. Alguns trabalhos chegaram a provocar uma tensão nos limites do desenho. Da necessidade de desenhar em camadas, surgiram as sobreposições levando alguns trabalhos a um nível de relevo que ultrapassam a superfície desenhada. Esses desenhos tornaram-se verdadeiras “assemblages” criando, dessa maneira, uma junção do desenho com a escultura.


Os trabalhos apresentados na exposição são apenas um recorte de um experimento que ainda terá muitos desdobramentos conceituais e materiais. Trata-se de um processo de criação em movimento e inacabado. A pesquisa com os materiais somada às reflexões sobre o corpo (ou melhor, sobre os corpos: humano, animal, vegetal e mineral) continua - não sei bem em qual direção.


Muito mais que uma exposição, este recorte é um convite aos visitantes para pensarem o corpo: o que há nele de tão perturbador? Como é se sentir dentro de um corpo? Todos estão convidados, ainda, a explorar os materiais de arte, disponíveis no local da exposição, para transpor suas reflexões para desenhos. Desse modo, além de construirmos uma exposição coletiva, cada um irá vivenciar alguns caminhos de seus próprios processos de criação.