A ideia de fazer uma exposição chamada “Anatomia para colorir”,
surgiu durante um garimpo pelos sebos da cidade em busca de livros antigos de
anatomia que pudessem servir de suporte aos meus experimentos com o desenho e
minhas reflexões sobre o corpo.
Numa espécie de depósito secreto de uma das lojas que visitei, encontrei
um livro encantadoramente datado: “Anatomia: Manual para Colorir”. A proposta
do livro, segundo seus autores, é de proporcionar uma oportunidade de se
familiarizar com o corpo humano, suas estruturas e funções, com um “mínimo de
memorização mecânica e um máximo de satisfação”, considerando que “colorir é um
dos métodos de aprendizagem mais eficazes e agradáveis”.
Achei graça na proposta, mas, mesmo assim, levei o livro pra casa
e comecei a seguir o manual. Vasculhei pranchas e mais pranchas desenhadas com
fatos e conceitos sobre o corpo humano. Atravessei células, tecidos epitelial,
conjuntivo e muscular; sistemas esquelético, muscular, cardiovascular,
linfático, respiratório e assim por diante, numa ramificação quase infinita de
estruturas relacionadas. E, desse modo, mais do que aprender esquemas sobre o
corpo humano, comecei a perceber uma espécie de gramática imagética pronta para
ser explorada e subvertida pelos meus experimentos.
Assim, nos meus desenhos, começaram a surgir estruturas de
revestimento de crescimento orgânico com aspecto celular nucleado, estriado ou mesmo
de estrutura capilar. Surgiram ainda os elementos transparentes e sobrepostos
criando, por vezes, texturas lisas, por outras vezes, texturas rugosas. À
medida que os experimentos foram se multiplicando, apareciam os corpos humanos
com esqueletos inventados, as anatomias híbridas, as anatomias animais e os
corpos seccionados.
Todo esse exercício de invenção demandou um trabalho de experimentação
com os materiais. A opção pelo uso de cola sem conservantes deve-se
ao nosso desejo de tratar cada obra como um organismo vivo, que passa por modificações discretas ao longo do tempo. Alguns trabalhos chegaram a provocar uma tensão nos limites
do desenho. Da necessidade de desenhar em camadas, surgiram as sobreposições levando
alguns trabalhos a um nível de relevo que ultrapassam a superfície desenhada.
Esses desenhos tornaram-se verdadeiras “assemblages” criando, dessa maneira,
uma junção do desenho com a escultura.
Os trabalhos apresentados na exposição são apenas um recorte de um
experimento que ainda terá muitos desdobramentos conceituais e materiais. Trata-se
de um processo de criação em movimento e inacabado. A pesquisa com os materiais
somada às reflexões sobre o corpo (ou melhor, sobre os corpos: humano, animal,
vegetal e mineral) continua - não sei bem em qual direção.
Muito mais que uma exposição, este recorte é um convite aos visitantes
para pensarem o corpo: o que há nele de tão perturbador? Como é se sentir dentro
de um corpo? Todos estão convidados, ainda, a explorar os materiais de arte,
disponíveis no local da exposição, para transpor suas reflexões para desenhos. Desse
modo, além de construirmos uma exposição coletiva, cada um irá vivenciar alguns caminhos de seus próprios processos de criação.